No livro de contos Um Exu em Nova York Cidinha da Silva apresenta uma perspectiva contemporânea e ficcional do cotidiano, sobre temas como política, crise ética, racismo religioso, perda generalizada de direitos (principalmente por parte das mulheres), negros e grupos LGBT. A autora considera que esses são marcadores importantes do século XXI e classifica a obra como um livro-dínamo. Cidinha parte das tensões provocadas pela percepção das religiões de matrizes africanas para desmistificar ideias negativas que são difundidas sem critérios na sociedade. Através dos personagens, traz ainda outros temas contemporâneos, como por exemplo a nova masculinidade
Contos. Está aí um estilo literário que não tenho muito o hábito de ler, mas as duas obras de contos que li nos últimos tempos foram muito gratificantes e valeram muito a pena e as duas foram indicação do Clube de Leitura Leia Mulheres de Caxias do Sul (@leiamulherescaxiasrs) e olha, só livrão. Inclusive, se você não mora em Caxias, fica a dica para seguir o perfil mesmo assim para acompanhar as dicas de livros que são bem relevantes. Eu mesma, li a obra e não consegui ir no dia do encontro, o que foi uma pena, mas a leitura foi muito maravilhosa.
Um Exu em Nova York é um livro de contos da autora Cidinha da Silva, com 18 contos, a obra traz histórias sob o olhar da vivência de pessoas pretas. Esse livro mexeu comigo de uma forma muito potente. Como você imagina os protagonistas das histórias que você lê? Os autores fazem uma descrição? Fazem, muitas vezes sim. Mas nem sempre e, mesmo assim, quantos protagonistas negros você consegue enumerar nas suas leituras? Por que quando lê sobre um personagem o seu primeiro instinto é pensar em uma pessoa branca?
Eu tinha como padrão imaginar pessoas com tipo físico parecido com o meu e ia adaptando as feições conforme a descrição e acho que falta muita criatividade da minha parte, mas bem, não me lembro de ter imaginado uma pessoa negra a não ser que o autor mencione. E em Um Exu em Nova York realmente vi como isso é diferente, como, mesmo sem descrever, você percebe pelas situações que se decorrem, como o meio reage a essas pessoas e isso choca. Você percebe que a vivência é diferente, que o sofrimento é diferente, as prioridades mudam e o tratamento recebido é muito diferente do que eu vejo no meu dia a dia, nas minhas vivências. E, quando a gente percebe isso de verdade, choca.
A gente sabe de ouvir falar, entende quando as pessoas falam, mas o fato de você entrar na história e se colocar no papel dos personagens faz com que quando você perceba a força do livro que está nas suas mãos, você fique realmente impactado.
Mas não falo de uma obra triste, Um Exu em Nova York é uma obra rica, uma obra real. Traz contos sobre lembranças, sobre mistérios, sobre dor também, uma dor bem específica do povo negro, mas traz riqueza, magia, encanto e uma narrativa tão boa que dá vontade de continuar se deliciando nas páginas nas palavras da Cidinha.
Junto das narrativas negras, a obra traz os elementos da cultura afro, riqueza, fé e bondade para enriquecer ainda mais essa obra. E, no final da obra, a autora traz um glossário sobre os termos relacionados à cultura afro-brasileira. Ótimo para quem não tem a vivência e o contato e deseja saber mais.
Acolher, entender, estar aberto a conhecer o outro e mais, a conhecer e reconhecer uma parte muito valiosa da cultura do nosso país, é necessário, é essencial. Sem dogmas, sem pré-conceitos e de coração aberto.
Minha dica: leia mulheres e leia mulheres brasileiras. São tantas vivências ricas, tantas narrativas que se encaixam com as nossas vidas que encantam e emocionam. Saia da sua zona de conforto literária e conheça novas autoras. Você vai amar!
Cidinha da Silva - nasceu em Belo Horizonte, em 1967. Publicou 17 livros distribuídos pelos gêneros crônica, conto, ensaio, dramaturgia e infantil/juvenil. Um Exu em Nova York, recebeu o Prêmio da Biblioteca Nacional (contos, 2019) e Explosão Feminista (ensaio), do qual é co-autora, foi finalista do Jabuti (2019), e recebeu o Prêmio Rio Literatura 4ª edição (2019). Tem publicações em alemão, catalão, espanhol, francês, inglês e italiano.
Dois livros recentes da autora, Um Exu em Nova York (2018) e Exuzilhar (2019), primeiro volume de uma série com suas melhores crônicas, a ajudaram a compreender que sua pesquisa estética bebe da fonte das africanidades, orixalidades, ancestralidades e da tensão e diálogo entre tradições (africanas, afro-brasileiras, afro-diaspóricas e afro-indígenas) e contemporaneidade. Esse é seu principal tema. Outras temáticas fortes de sua obra são racismo, discriminação racial, desigualdades raciais e de gênero, entre outras questões de Direitos Humanos, mas estas não constituem seu tema central, a centralidade está nas africanidades de um modo geral. Outros temas que lhe despertam especial interesse são: morte, amor, futebol, política, a autora gosta muito de política e escreve bastante sobre esse tema.
A crônica abriga 10 dos 17 livros de Cidinha da Silva. Este gênero dialoga com o tempo e luta contra ele, contra a temporalidade dos fatos e da escrita; um gênero que tem como matéria prima o cotidiano, o que está acontecendo agora e a cronista é desafiada a abordá-lo e ao mesmo tempo evitar que o texto fique datado, ou seja, que tenha um sentido restrito e dirigido apenas a um certo grupo de pessoas. É um gênero que tem várias faces tais como relato, diálogo, texto jornalístico, opinativo, crítica cultural e/ou de costumes, entre outros, e tem tônicas também diversas tais como leveza, crítica, ironia, ritmo, humor, poesia, entre outras.
Cidinha da Silva é autora ainda das peças teatrais Sangoma: saúde às mulheres negras, escrita em parceria com a “Capulanas Cia de Arte Negra” e encenada em 2013; Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas, encenada pelo grupo "Os Crespos" em 2014, e Os coloridos, também encenada pelo grupo em 2015. Estas peças foram agrupadas no livro O teatro negro de Cidinha da Silva, publicado pelo Selo Aquilombô (Belo Horizonte) em 2019.
Fonte: Literafro
Um Exu em Nova York - Cidinha da Silva - 80 páginas - Editora Pallas
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